segunda-feira, 8 de novembro de 2010

PAGANISMO E TRADIÇÃO

             Por que existem tantos pagãos membros de tradições, e por que existem tantas tradições? Por que eles são tão proeminentes em suas comunidades, apesar da enorme popularidade do ecletismo, da prática solitária, e da espiritualidade faça você mesmo? A resposta simples é porque pertencer a uma tradição pode ser um caminho enormemente poderoso para as pessoas compartilharem suas experiências espirituais uns com os outros, e não se pode fazer isso num caminho solitário ou no ecletismo. Uma tradição, como é freqüentemente definida em nossas comunidades pagãs, é um corpo de ensinamentos e práticas que são compartilhadas por um grupo de pessoas, os quais são passados através da relação professor-estudante. Esse método de disseminar ensinamentos e conduzir pessoas juntas em comunidades, tem sido uma parte de nosso paganismo desde o início, por mais de 60 anos, e há evidências de que algo como isso já existia desde a antiguidade.
Apesar da enorme popularidade do paganismo eclético, o paganismo tradicional ainda existe e continua a atrair novas pessoas. Aqui eu gostaria de perguntar: O que faz com que uma tradição espiritual tenha êxito e poder? O que mais uma tradição espiritual pode ser? Existem poucos tipos de tradições diferentes que deveriam ser distinguidos primeiro. Aqui estão algumas delas:
A Ordem: Uma comunidade com autoridade centralizada definindo seus ensinamentos e práticas, e os papéis específicos que seus membros ocupam. Ela é normalmente, embora nem sempre, hierárquica, com um círculo individual ou pequeno de pessoas possuindo a autoridade para definir o princípio central espiritual e a estrutura da liturgia de suas cerimônias. As pessoas de destaque na escada são responsáveis pelo treinamento e pela atenção dada aos que estão embaixo. A ascensão nessa escada é normalmente obtida através do cumprimento de diversas tarefas e lições, incluindo, mas não se limitando a algum tipo de programa de treinamento. Também podem existir testes de caráter e maturidade incluídos nos procedimentos de elevação.
A Tradição Iniciática: Uma comunidade normalmente composta por grupos pequenos de pessoas conduzidas por um professor ou iniciador, que é responsável pelo treinamento e orientação; esse professor recebeu sua autoridade de outro professor, e apenas assim. O corpo dos ensinamentos originou-se com algum predecessor, de quem o nome da tradição deriva. Linhagem é sempre muito importante para os membros da tradição. O progresso na tradição é obtido quando o estudante adquire desembaraço para ensinar o conhecimento do professor independentemente; o estudante é então iniciado, freqüentemente parte para fundar seu próprio grupo, assumindo o papel de líder e professor nesse grupo.
Reconstrucionismo e Revivalismo Cultural: Uma comunidade de pessoas que se identificam com alguma cultura do passado e busca satisfação espiritual tentando reviver e reconstruir os costumes dessa cultura passada tanto quanto possível. Reconstrucionistas culturais podem ou não ser membros de ordens ou tradições iniciáticas, mas o mais comum é que sejam praticantes solitários. Por exemplo, muitas pessoas que praticam o paganismo celta são descendentes de irlandeses, escoceses ou famílias galesas, ou acreditam ser celtas reencarnados.
A Tradição Informal: Uma prática simples, serviço, cerimônia, pedaços de conhecimento, ou ainda práticas de brincadeira, que são passadas para algum receptor com a condição de que o receptor deva continuar a passá-las, e deva passá-las para outros que as receberam, como amigos e companheiros. Uma vez que o serviço é realizado, não é mais necessário realizá-lo outra vez, ou mesmo pensar a respeito.
Em cada um desses casos, o ponto mais importante que vem à tona é a noção de "passar isso adiante". Uma tradição é uma coisa que não é apenas partilhada, mas também ensinada. Alguém que possua um produto de tradição também possui uma ligação social com outras pessoas.
Alguém que passa uma tradição está em essência também alargando o círculo daqueles que estão incluídos nos laços da tradição. A ligação a uma tradição tem uma estrutura específica: de doar e receber, com a implicação que o doador assemelha-se a um pai ou professor, e o receptor assemelha-se a uma criança ou um estudante. O "doador" tem a responsabilidade de ensinar e guiar seus "receptores", mais ou menos do mesmo modo como professores escolares são responsáveis por seus estudantes e os pais são responsáveis por seus filhos.
A noção de tradição implica em laços sociais de doação e recepção. O caso das tradições de Reconstrucionismo Cultural parece ser o mais estranho aqui: ali não há necessidade de nenhum professor transferindo coisa alguma específica ao estudante. Contudo, muitos dos membros de tais tradições estão preocupados com "fazer isso certo", pesquisando história, arqueologia, mitologia, literatura e muito mais, tanto que suas próprias práticas se assemelham a práticas antigas com significado, seriedade e de modo não casual. Nesse caso, a própria tradição é o professor. Para eles, há o sentido definido de que o praticante está criando laços com predecessores, ainda que esses predecessores estejam mortos a centenas de milhares de anos e não possam passá-las pessoalmente. Eles o fazem indiretamente, através das coisas que eles deixaram para nós, quer tenham tido intenção ou não. Quando Reconstrucionistas Culturais criam comunidades, por exemplo, quando pagãos celtas criam grupos druídicos, tais tradições são criadas informalmente com interpretações de antigos rituais, poemas, estruturas megalíticas, etc., tornando-se populares e sendo imitadas por outros buscadores.
Em nossa grande comunidade, nas nações e sociedades em que vivemos e nas quais nosso paganismo é uma subcultura, estamos rodeados por tradições e imersos em relacionamentos compartilhando, passando adiante e recebendo. Há tradições de música popular, pintura e arquitetura, preparação de comida, linguagem e literatura, história e narração de histórias, lei e procedimentos legais, esportes e jogos, celebrações e festivais, e toda uma gama de idéias e práticas que recebemos daqueles que vieram antes de nós. Tradições informam quase todos os aspectos da vida e tocam direto o centro de nossas identidades. Quer gostemos disso ou não, quer concordemos ou não, somos, todos nós, em grande medida o produto das tradições que herdamos. Elas moldam todas as nossas relações sociais, possibilitando-nos interagir com os outros, dividindo pensamentos e sentimentos com eles, esperando que seremos compreendidos e respeitados no processo. Cada um de nós é um produto do mundo em que nascemos, e logo que nascemos já estamos comprometidos em várias relações com outros, estabelecidas por nossas tradições. Ninguém deveria aceitar as limitações de sua herança histórica e social; por exemplo, ela pode escolher revoltar-se. Mas sua herança é o ponto de partida na busca do auto-conhecimento. A busca começa a partir daí. O passado, por causa desse significado de identidade espiritual, é a herança que surge dentro de toda a nossa identidade atual, e uma qualidade do passado que fortifica nossas relações sociais atuais.
Esse passado deve ser observado, é uma função do presente: é o que nós herdamos e temos no presente. Esse é o poder que a tradição tem, de trazer o passado para o presente, fazê-lo chegar vivo até nós, e dotá-lo com a realidade que pode dar forma e continuidade a todas as nossas práticas e identidades, aqui e agora.
Ecletismo é incapaz de prover esse sentido de continuidade através do tempo. Sua pretensão básica é que a meditação, cerimônia ou prática, podem ser criadas especialmente para a ocasião, para um propósito específico. Pode até ser exigido que nada seja planejado com antecedência, e que cada ação e palavra dita sejam espontaneamente produzidos "do coração". De fato, tem sido afirmado algumas vezes que expressões emocionais e espontâneas teriam mais significado, ou seriam as únicas portadoras de significado. Mas expressões emocionais espontâneas, unicamente por serem originais e únicas, não são esboçadas no passado. Assim elas não podem trazer seu poder do passado. Elas trazem seu poder do presente. da mesma forma, ele também não é capaz de ser passado para os outros. No momento em que alguém tentar usá-lo, nem de longe é original e espontâneo. Há muitas ocasiões quando expressões emotivas espontâneas e originais são apropriadas, mas eu creio que pelo menos num deles isso é totalmente errado: funerais. Alguém que esteja triste com a perda de alguém amado, precisa de uma prática espiritual que restaure seu senso de normalidade. Ecletismo, com sua ênfase no individual, original e único, não pode prover tal coisa, porque não possui uma relação com o passado.
Para ser honesto com o ecletismo, entretanto, talvez seja o caso de toda tradição começar com a expressão espontânea ou o descobrimento da verdade espiritual, que foi então passada aos receptores que foram inspirados por ela e que se sentiram compelidos a transmiti-la. O critério para uma tradição bem sucedida ou viável pode ser o critério que os biólogos revolucionistas usam para o "êxito reprodutivo". Um animal consegue sucesso reprodutivo através de seus netos, i.e., através das crianças que são capazes de produzir crianças. Do mesmo modo, alguém desejando fundar uma tradição pode contar com o sucesso se seus estudantes de fato passarem os ensinamentos e práticas que eles aprenderam. Não há questão de "dogmatismo" ou"doutrina" envolvido aqui. Alguém participando de uma tradição é perfeitamente livre para dar a sua própria contribuição, e é igualmente livre para debater e discutir sobre o que está recebendo e sendo solicitado a transmitir. O filósofo Alasdair Macintyre afirmou que uma tradição não é freqüentemente uma continuidade de pensamento, mas uma continuidade de conflito - isso é um conflito precisamente acerca de que bases se supõe que a tradição se refere.
Paganismo tradicional não é para todos. Muitas pessoas estão achando suas necessidades espirituais através do ecletismo ou por meio de alguma outra forma de práticas privativas e não estruturadas. E ser membro de uma tradição não é exclusivo do ecletismo: pertencer a uma ordem, um coven ou grove não significa automaticamente que não haja capacidade ou seja permitido ter uma relação privada com o divino. Exatamente como construir um templo para nossos deuses não quer dizer que nós estejamos evitando ir para a floresta para encontrá-los lá, não evitamos explorar os mistérios do mundo espiritual privadamente porque tenhamos herdado tradições do passado. Tradições constituem a face pública do paganismo. Aqueles que são, ou que desejam ser, líderes pagãos públicos ou sacerdotes, então, realmente não devem ignorar o poder da tradição. Nós devemos estar aptos a esperar de nossos líderes e dos sacerdotes públicos que eles possam oferecer continuidade com o passado, com as origens mitológicas e históricas de nossa espiritualidade. Devemos esperar que eles possam sustentar os modelos de excelência que seus predecessores estabeleceram para eles.
Em resumo, devemos esperar deles o mesmo que cristãos, muçulmanos ou judeus esperam de seus sacerdotes; por exemplo, que eles tenham um conhecimento superior, etc. Não podemos esperar nosso paganismo crescer, florescer, alcançar estatura e respeito no mundo, ou mesmo ser compreendido por não-pagãos, se continuamos a dobrar nossas próprias tradições na paranóia da "doutrina" e "dogmatismo" . Nossas tradições podem suprir alguma defesa contra caçadores de bruxas dos dias atuais. Se nós queremos que não-pagãos do mundo parem de barbarizar nossas casas e negócios, usando as cortes e leis de família para tomar nossas crianças, a melhor estratégia que podemos ter à nossa disposição é a criação de tradições rígidas e autoritárias. Elas deverão ser fortes o suficiente para clarear a nossa falsa imagem que aparece na mídia, e na odiosa propaganda de certos grupos cristãos de direita. Elas terão que ser autoritárias o bastante para estabelecer laços com o passado e esperança para o futuro, dando as pessoas que são vítimas da discriminação anti-pagã segurança e poder suficientes para prosseguir. Mas o benefício mais importante das tradições rígidas é poder nos prover de um passado que possa ser levado adiante no futuro. Nós devemos querer que nossos valores tenham futuro, e devemos fazer com que possamos trazer à existência um futuro no qual nossos valores tenham lugar. Ninguém constrói um monumento ou um museu somente para chorar no dia seguinte. Do mesmo modo ninguém que é sincero em seu comprometimento em seu caminho espiritual pula para outro e esquece o que aprendeu antes. Pagãos têm sempre usado tradições para assegurar que o melhor de suas técnicas e práticas continuem a beneficiar as pessoas no futuro. É tempo, acredito, para reconhecer esse poder.
Brendan Cathbad Myers é autor do livro "Dangerous Religion: Environmental Spirituality and its Activist Dimension". 
Ele tem seguido o caminho druídico nos últimos 20 anos, e vive no oeste da Irlanda.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Rotterdam


"Em vão a mulher veste a máscara, continua sempre mulher, ou seja, louca
É este dom da loucura que lhes permite ser, em muitos aspectos, mais felizes que os homens."
Erasmo de Rotterdam

Hilst


"Te amo como as begônias tarântulas amam seus congêneres, como as serpentes se amam enroscadas lentas algumas muito verdes outras escuras, a cruz na testa lerdas prenhes, dessa agudez que me rodeia, te amo ainda que isso te fulmine ou que um soco na minha cara me faça menos osso e mais verdade"
Hilda Hilst

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Drummond


Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado,e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que,
esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

Carlos Drumond de Andrade

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Carvalho

Lado a lado com a espécie humana ...

.. corra outra raça de seres, os inumanos, a raça dos artistas que, incitados por desconhecidos impulsos, tomam a massa sem vida da humanidade e, pela febre e pelo fermento com que a impregnam, transformam a massa úmida em pão, e o pão em vinho, e o vinho em canção. Do composto morto e da escória inerte criam uma canção que contagia. Vejo esta outra raça de indivíduos esquadrinhando o universo, virando tudo de cabeça para baixo, os pés sempre se movendo em sangue e lágrimas, as mãos sempre vazias, sempre se estendendo na tentativa de agarrar o além, o deus inatingível: matando tudo ao seu alcance que lhe rói as entranhas (...)
Um homem que pertence a essa raça precisa ficar em pé no lugar alto, com palavras desconexas na boca, e arrancar as próprias entranhas. É certo e justo, porque ele precisa! E tudo quanto fique aquém dessa aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos sobressaltante, menos tetrificante, menos louco, menos delirante, menos contagiante, não é arte.
O resto é falsificação. O resto é humano. O resto pertence à vida e à ausencia de vida.

"HENRY MILLER"

Síndrome de Dragão


Às vezes, acordo com vontade de cuspir fogo..
De morar em um castelo e virar um ser humano outra vez
Sinto a sensação de queimar todas as minhas esperanças diárias em fogo imaginário
Meu mundo não é senão um Conto...
Uma história ensaiada de coadjuvantes invisíveis, mas que sei que estão lá
Sei, pelas vozes e imagens que passam o tempo todo na minha cabeça
Minha pele está enrugando
Meu corpo está quente por dentro, mas onde moro é uma geladeira
Sinto a neblina que envolve o topo da montanha cada vez mais gélida, congelar meus sentimentos
E enquanto fico nestas dúvidas, essa oscilação de temperatura emotiva me deixa tão fraca!
Sei que o Inverno é assim
Minhas asas me levam aonde quero? Nem sempre
Queria ir para lugares onde não posso estar, e não consigo me contentar com a minha atual realidade
Talvez este seja o equilíbrio da Vida
Talvez esta seja o equilíbrio da minha Vida
Mas tudo é muito confuso quando se é Dragão
Não me lembro mais quando foi a última vez em que fui mortal, apenas imagens aparecem de uma felicidade estranha e cada vez menos familiar
Acho melhor eu voltar para minha montanha ...